Francisco A. Marcatti Jr. ou simplesmente MARCATTI, nasceu em São Paulo no
dia 16 de junho de 1962, se tornou um dos representantes do quadrinho
underground no Brasil. Fundou a Editora Pro-C, editou, imprimiu e distribuiu
suas histórias em revistas com títulos bem sugestivos: Mijo, Lodo, Prega,
Ventosa, entre outras.
Publicou também seus quadrinhos nas revistas Chiclete com Banana, Tralha, Monga,
Casseta & Planeta, Mega e Mil Perigos. Fez as capas dos álbuns Anarkophobia
e Brasil, da banda Ratos de Porão. Em 2001 criou o personagem Frauzio para uma
revista mensal, lançada pela Editora Escala, com tiragem de 30 mil exemplares e
distribuída em bancas de jornais. Em 2003 deu continuidade ao personagem pela
Pro-C. Em 2005, lançou Mariposa, sua primeira graphic novel, pela Editora
Conrad, pela mesma editora lançou, em 2007, a adaptação do livro A Relíquia, de
Eça de Queiroz. Atualmente é colaborador da versão brasileira da revista
Mad.
Marcatti é o homenageado como Grande Mestre deste ano do Troféu HQMIX,
leiam a seguir uma pequena entrevista com um dos grandes criadores do quadrinho
brasileiro.
HQMIX - Aos 15 anos você teve sua primeira HQ publicada, é isso? Como foi
esse começo?
MARCATTI - Do meio para o final da década de 1970, proliferaram
centenas de publicações independentes em todo o país. Em São Paulo, a maioria
das revistas em quadrinhos alternativas era produzida através de Diretórios
Acadêmicos de Faculdades, a exemplo do Balão (ECA-USP). Normalmente, essas
revistas eram centradas em seus alunos. Mas, surgiu a Boca (FAAP, 1975) que
abriu em suas páginas uma espécie de convocatória chamando quem quisesse
publicar na revista. Me juntei ao grupo no início de 1977 quando estavam
programando a nº 4. Em uma das inúmeras reuniões que a revista promovia, conheci
um grupo de desenhistas que tinham a mesma idade que eu. Eram alunos do Colégio
Equipe e, com recursos da escola, iriam publicar uma nova revista chamada
Papagaio. Comecei a frequentar também as reuniões desse grupo e, como a Boca era
publicada uma vez por ano, a Papagaio nº 1 acabou saindo primeiro (agosto de
1977). Publiquei, então, duas HQs. Esse grupo, que era capitaneado por Paulo
Monteiro e Antonio Malta (hoje, artistas plásticos). A Boca nº 4, com uma HQ
minha, só veio a ser publicada em abril de 1978.
HQMIX - Você é um dos legítimos representantes do chamado quadrinho
undergronund ou como falamos por aqui, "udigrudi". Suas influências estão só
neste gênero da narrativa gráfica ou vão além? Quais foram elas?
M - É sempre
difícil elencar minhas influências... Sempre fui muito cara de pau e “chupei”
inúmeros desenhistas. Desde muito pequeno eu já desenhava histórias em
quadrinhos. Desde Mauricio de Sousa até Albert Uderzo e Hergé, eu sempre
procurava reproduzir suas técnicas, estruturas, etc... Mas, em 1976, conheci o
underground americano e fiquei fascinado pelo traço de Gilbert Shelton (Freak
Brothers, Philbert Desanex, Wonder Wart-hog) e Robert Crumb. Nesse período
comecei a produzir HQ’s alucinadamente e, por consequência, passei a ler muito
mais. Foi quando conheci o trabalho de Francisco Ibañez (Mortadelo e Salaminho).
Quando olho meus desenhos, consigo identificar descaradamente como o Shelton e
Ibañez estão fundidos no esqueleto do meu traço. Outro nome que vale citar é o
Basil Wolverton que, por sinal é a grande influência do Gilbert Shelton. Mas
ainda tenho o costume de estudar o traço de desenhistas e, ultimamente, venho me
inspirando no trabalho de Giorgio Cavazzano.
Com relação às histórias, minha
influência inicial (e perene) é do escritor Henry Miller. Além dele, o que tem
me inspirado desde a década de 1990, é o chamado cinema clássico
norte-americano. Alfred Hitchcok encabeça minha lista, que também inclui Billy
Wilder e John Houston. Com esses três, tenho aprendido muito sobre a condução de
uma história. Acho brilhante a construção e o desenvolvimento narrativo desses
três diretores. Quando estou fazendo um roteiro, procuro aprender a técnica de
estruturação desses gênios.
Tem muito mais... Mas, não consigo resumir sem
tagarelar! Acabo deixando de fora tantos outros nomes e linguagens; por exemplo
Frank Zappa...
No fundo, procuro ser uma “esponja”. Se algo e de algum modo
me toca, passo a estudá-lo para tentar emocionar meu leitor com a mesma técnica
através da qual fui envolvido...
HQMIX - Nos anos 1980 você tinha uma impressora off-set de mesa, fundou a
editora Pro-C e passou a imprimir trabalhos seus e de outros autores. Agora você
pretende adquirir uma outra impressora, mas vivemos uma época diferente. Ainda
vale a pena ter um equipamento próprio? A Pro-C continuará a imprimir trabalhos
de autores que lhe procurarem?
M- De fato, estou em vias de comprar uma
impressora offset. Só que dessa vez, será uma máquina infinitamente superior em
qualidade daquela heróica Rex Rotary...
Muita coisa mudou nesse últimos 35
anos, menos o mercado editorial impresso e sua distribuição. Para mim, ter uma
pequena gráfica é como comprar uma caneta ou um pincel novo (não pelo preço,
hehehe!). Graças ao Senai, onde estudei de 1978 a 1980, tenho também o
conhecimento técnico em produzir materiais impressos. Assim, uma offset me é a
extensão das ferramentas para produzir histórias em quadrinhos alternativas.
Como autor independente, minhas tiragens, vendas e distribuição têm o tamanho
certo de uma “Multilith”...
Jamais iria, em pleno século XXI ou em plena era
digital, me aventurar na montagem de uma indústria gráfica. Pretendo, ao
contrário, baratear e viabilizar a produção gráfica da cena alternativa. E, como
essa cena é hoje infinitamente maior do que foi há 30 anos atrás, tenho a
esperança de que minha nova máquina possa contribuir para alavancar ainda mais
esse nosso universo.
HQMIX - A adaptação de A Relíquia de Eça de Queiroz (Conrad, 2007), mesmo
tendo a marca Marcatti, fugiu completamente ao tipo de quadrinho que você faz.
Como foi essa experiência e, você faria outra adaptação ou já tem planos para
fazê-lo?
M - Para mim, a força motriz do meu trabalho é o sarcasmo. Nojeira e
escatologia são somente parte desse meu foco. Esse projeto, que foi ideia da
Conrad, é de imensa importância para mim. Primeiro porque mostrou que o
Alexandre Linares e o Rogério de Campos (então, editor e diretor da Conrad)
enxergaram através da cortina de sujeira da putaria que sempre fiz e perceberam
esse sarcasmo sempre presente no meu trabalho. Por esse ângulo, o Alexandre viu
a grande similaridade que meu trabalho tem com o do Eça. Em segundo lugar, eu,
que jamais havia lido Eça de Queiroz, aprendi muito com sua obra. Principalmente
na construção de personagens e como esse “nosso” sarcasmo pode ser exposto
através de outras ferramentas. Gosto muito de “enfiar o pé na jaca”, mas a
sutileza às vezes pode ser mais eficaz.
Estou trabalhando há três meses na
adaptação de um livro do Aluísio Azevedo que, em sua essência, tem a mesma dose
desse desconfortável sarcasmo do Eça de Queiroz.
HQMIX - Muito se fala que o mercado de quadrinhos no Brasil está aquecido,
que vivemos tempos muitos bons para os autores. Não dá pra fugir da pergunta do
momento: Como você enxerga a produção e as condições de publicação atuais?
M
- Não tem como negar que hoje está muito melhor do que quando comecei. Sem
comparação! Não sou economista ou expert para afirmar, mas tenho a forte
impressão que o mercado de quadrinhos atingiu seu limite no Brasil. Aqui se
vende HQs proporcionalmente no mesmo patamar que nos principais países da
Europa. Ou seja, para que sua vendagem seja economicamente viável e sólida, TODO
o mercado editorial tem que crescer. Se aqui um livro de literatura é
best-seller com 5 mil exemplares, nada mais “justo” que um livro de HQs venda
seus 600 ou 700 exemplares no mesmo período. Se e quando um best-seller for 30
mil exemplares, livros de HQs venderão seus 4 ou 5 mil em média. Acredito que
não dá para almejar isso quando, em todo o país, existem menos livrarias do que
em Buenos Aires! Posso estar errado, eu sei. Mas prefiro acompanhar esse debate
de uma distância segura. A cena alternativa é, em essência, um universo
paralelo. Portanto, meu foco e meu objetivo são crescer nesse universo marginal.
Desse assunto de “mercado editorial”, com toda sua pompa e arrogância, prefiro
manter distância...
HQMIX - Mesmo com essa nova tendência para os quadrinhos no Brasil, o
movimento independente continua forte. Alguns autores, mesmo publicando por
editoras, continuam lançando material por conta própria. Você acha que esse
formato será o caminho para a consolidação do mercado?
M - Questão de ponto
de vista. Se um autor quer entrar no tal mercado editorial, precisa arregaçar as
mangas e os dentes para poder sonhar em vender seu “produto”. É um esforço
insano e insalubre, mas pode ser muito bem recompensado. É historicamente sabido
que a auto-produção, natural da cena alternativa, já alavancou muita carreira
para esse universo “overground”. Daí que é natural que um autor, escritor ou
quadrinista procure esse meio para publicar seu trabalho. Acho válido. Mas deve
ficar claro sua diferença entre “ser” independente e “estar”
independente.
Para mim, ser independente está além de um expirável movimento.
É sua essência. No mundo marginal, desenvolvemos nossos próprios canais de
publicação, distribuição e venda que, por sua natureza, são mais rápidos e
virais. Qualquer autor, seja ele independente ou não, tem a necessidade e
urgência em publicar seu trabalho. Uma vez que o mercado editorial está falido
ou desorientado, o meio alternativo passa a ser o caminho mais rápido...
HQMIX - As técnicas de produção evoluem e as ferramentas à disposição dos
desenhistas também. Como é o seu método de trabalho atual? Essas novas
tecnologias fazem parte dele?
M - Cachorro velho não aprende truque novo
(rs)... Ainda uso canetas e papel. Mas é claro que as novas tecnologias são
ferramentas muito melhores para nosso trabalho. São ferramentas! Dar as costas
para elas é fazer arroz em fogão à lenha. Hoje eu não levo mais três ou quatro
horas para letreirar balões. Nunca mais tive de brigar com editoras para ter
meus originais de volta! Minha frustração é que, pessoalmente, não consegui
desenhar com tablets, mouse... Acho ducaralho esse recurso. Mas não me adaptei.
Hoje, faço arroz no microondas. Mas carne, batata e feijão, ainda os cozinho no
carvão (rs).
•Aparte do perguntador: só pelo desenho que ilustra esta entrevista vocês podem ver que a "comida" que e o Marcatti cozinha no carvão permanece com um excelente sabor.
HQMIX - Atualmente você é um colaborador da edição nacional da revista MAD,
que reina sozinha no segmento do humor gráfico. Como é essa colaboração e você
diria que se sente "em casa" na MAD?
M- Ao longo dos anos, fui fazendo
histórias cada vez maiores e com mais páginas. Na MAD, tenho feito HQs de quatro
páginas. Eu colaborei pela primeira vez com a MAD em 2008 e foi exatamente por
esse motivo de “espaço” que acabei parando. Mas no início desse ano (2012),
procurei o Raphael Fernandez (editor) para voltar a colaborar na revista. O
espaço de 4 páginas continua o mesmo. O que mudou foi minha disposição em
encarar o desafio. Estou adorando a completa liberdade que tenho para criar
minhas histórias e tentar encaixá-las em um espaço menor do que acabei me
acostumando... Conclusão: minha resposta é SIM. Me sinto “em casa” pois trabalho
com total independência e liberdade.
HQMIX - O que os leitores em geral e os fãs podem esperar para breve do
Marcatti?
M - Tenho um livro pronto para ser lançado. É “A risada de
Arnaldo”, adaptação para HQ de um conto do meu filho André Pijamar. Estou
fazendo a adaptação de “Casa de Pensão” de Aluísio Azevedo e um novo livro do
Frauzio. Já viu... Na hora que minha máquina chegar, vai espirrar papel para
todo lado!
2 comentários:
Os público só ficará sabendo os nomes dos premiados no dia?
Abraços
Claudio
Meu voto (2013), vai pro FANZINADA,
amigos.
Paz e Poesia em nossas vidas,
Cecília Fidelli.
www.ceciliafidelli.blogspot.com
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