quarta-feira, maio 02, 2012

Mestre pra mim, pro cê e para todos!



Francisco A. Marcatti Jr. ou simplesmente MARCATTI, nasceu em São Paulo no dia 16 de junho de 1962, se tornou um dos representantes do quadrinho underground no Brasil. Fundou a Editora Pro-C, editou, imprimiu e distribuiu suas histórias em revistas com títulos bem sugestivos: Mijo, Lodo, Prega, Ventosa, entre outras.
Publicou também seus quadrinhos nas revistas Chiclete com Banana, Tralha, Monga, Casseta & Planeta, Mega e Mil Perigos. Fez as capas dos álbuns Anarkophobia e Brasil, da banda Ratos de Porão. Em 2001 criou o personagem Frauzio para uma revista mensal, lançada pela Editora Escala, com tiragem de 30 mil exemplares e distribuída em bancas de jornais. Em 2003 deu continuidade ao personagem pela Pro-C. Em 2005, lançou Mariposa, sua primeira graphic novel, pela Editora Conrad, pela mesma editora lançou, em 2007, a adaptação do livro A Relíquia, de Eça de Queiroz. Atualmente é colaborador da versão brasileira da revista Mad.
Marcatti é o homenageado como Grande Mestre deste ano do Troféu HQMIX, leiam a seguir uma pequena entrevista com um dos grandes criadores do quadrinho brasileiro.
HQMIX - Aos 15 anos você teve sua primeira HQ publicada, é isso? Como foi esse começo? 

MARCATTI - Do meio para o final da década de 1970, proliferaram centenas de publicações independentes em todo o país. Em São Paulo, a maioria das revistas em quadrinhos alternativas era produzida através de Diretórios Acadêmicos de Faculdades, a exemplo do Balão (ECA-USP). Normalmente, essas revistas eram centradas em seus alunos. Mas, surgiu a Boca (FAAP, 1975) que abriu em suas páginas uma espécie de convocatória chamando quem quisesse publicar na revista. Me juntei ao grupo no início de 1977 quando estavam programando a nº 4. Em uma das inúmeras reuniões que a revista promovia, conheci um grupo de desenhistas que tinham a mesma idade que eu. Eram alunos do Colégio Equipe e, com recursos da escola, iriam publicar uma nova revista chamada Papagaio. Comecei a frequentar também as reuniões desse grupo e, como a Boca era publicada uma vez por ano, a Papagaio nº 1 acabou saindo primeiro (agosto de 1977). Publiquei, então, duas HQs. Esse grupo, que era capitaneado por Paulo Monteiro e Antonio Malta (hoje, artistas plásticos). A Boca nº 4, com uma HQ minha, só veio a ser publicada em abril de 1978.
HQMIX - Você é um dos legítimos representantes do chamado quadrinho undergronund ou como falamos por aqui, "udigrudi". Suas influências estão só neste gênero da narrativa gráfica ou vão além? Quais foram elas?

M - É sempre difícil elencar minhas influências... Sempre fui muito cara de pau e “chupei” inúmeros desenhistas. Desde muito pequeno eu já desenhava histórias em quadrinhos. Desde Mauricio de Sousa até Albert Uderzo e Hergé, eu sempre procurava reproduzir suas técnicas, estruturas, etc... Mas, em 1976, conheci o underground americano e fiquei fascinado pelo traço de Gilbert Shelton (Freak Brothers, Philbert Desanex, Wonder Wart-hog) e Robert Crumb. Nesse período comecei a produzir HQ’s alucinadamente e, por consequência, passei a ler muito mais. Foi quando conheci o trabalho de Francisco Ibañez (Mortadelo e Salaminho). Quando olho meus desenhos, consigo identificar descaradamente como o Shelton e Ibañez estão fundidos no esqueleto do meu traço. Outro nome que vale citar é o Basil Wolverton que, por sinal é a grande influência do Gilbert Shelton. Mas ainda tenho o costume de estudar o traço de desenhistas e, ultimamente, venho me inspirando no trabalho de Giorgio Cavazzano. 
Com relação às histórias, minha influência inicial (e perene) é do escritor Henry Miller. Além dele, o que tem me inspirado desde a década de 1990, é o chamado cinema clássico norte-americano. Alfred Hitchcok encabeça minha lista, que também inclui Billy Wilder e John Houston. Com esses três, tenho aprendido muito sobre a condução de uma história. Acho brilhante a construção e o desenvolvimento narrativo desses três diretores. Quando estou fazendo um roteiro, procuro aprender a técnica de estruturação desses gênios.
Tem muito mais... Mas, não consigo resumir sem tagarelar! Acabo deixando de fora tantos outros nomes e linguagens; por exemplo Frank Zappa...
No fundo, procuro ser uma “esponja”. Se algo e de algum modo me toca, passo a estudá-lo para tentar emocionar meu leitor com a mesma técnica através da qual fui envolvido...
HQMIX - Nos anos 1980 você tinha uma impressora off-set de mesa, fundou a editora Pro-C e passou a imprimir trabalhos seus e de outros autores. Agora você pretende adquirir uma outra impressora, mas vivemos uma época diferente. Ainda vale a pena ter um equipamento próprio? A Pro-C continuará a imprimir trabalhos de autores que lhe procurarem?

M- De fato, estou em vias de comprar uma impressora offset. Só que dessa vez, será uma máquina infinitamente superior em qualidade daquela heróica Rex Rotary...
Muita coisa mudou nesse últimos 35 anos, menos o mercado editorial impresso e sua distribuição. Para mim, ter uma pequena gráfica é como comprar uma caneta ou um pincel novo (não pelo preço, hehehe!). Graças ao Senai, onde estudei de 1978 a 1980, tenho também o conhecimento técnico em produzir materiais impressos. Assim, uma offset me é a extensão das ferramentas para produzir histórias em quadrinhos alternativas. Como autor independente, minhas tiragens, vendas e distribuição têm o tamanho certo de uma “Multilith”... 
Jamais iria, em pleno século XXI ou em plena era digital, me aventurar na montagem de uma indústria gráfica. Pretendo, ao contrário, baratear e viabilizar a produção gráfica da cena alternativa. E, como essa cena é hoje infinitamente maior do que foi há 30 anos atrás, tenho a esperança de que minha nova máquina possa contribuir para alavancar ainda mais esse nosso universo.
HQMIX - A adaptação de A Relíquia de Eça de Queiroz (Conrad, 2007), mesmo tendo a marca Marcatti, fugiu completamente ao tipo de quadrinho que você faz. Como foi essa experiência e, você faria outra adaptação ou já tem planos para fazê-lo?

M - Para mim, a força motriz do meu trabalho é o sarcasmo. Nojeira e escatologia são somente parte desse meu foco. Esse projeto, que foi ideia da Conrad, é de imensa importância para mim. Primeiro porque mostrou que o Alexandre Linares e o Rogério de Campos (então, editor e diretor da Conrad) enxergaram através da cortina de sujeira da putaria que sempre fiz e perceberam esse sarcasmo sempre presente no meu trabalho. Por esse ângulo, o Alexandre viu a grande similaridade que meu trabalho tem com o do Eça. Em segundo lugar, eu, que jamais havia lido Eça de Queiroz, aprendi muito com sua obra. Principalmente na construção de personagens e como esse “nosso” sarcasmo pode ser exposto através de outras ferramentas. Gosto muito de “enfiar o pé na jaca”, mas a sutileza às vezes pode ser mais eficaz.
Estou trabalhando há três meses na adaptação de um livro do Aluísio Azevedo que, em sua essência, tem a mesma dose desse desconfortável sarcasmo do Eça de Queiroz.
HQMIX - Muito se fala que o mercado de quadrinhos no Brasil está aquecido, que vivemos tempos muitos bons para os autores. Não dá pra fugir da pergunta do momento: Como você enxerga a produção e as condições de publicação atuais?

M - Não tem como negar que hoje está muito melhor do que quando comecei. Sem comparação! Não sou economista ou expert para afirmar, mas tenho a forte impressão que o mercado de quadrinhos atingiu seu limite no Brasil. Aqui se vende HQs proporcionalmente no mesmo patamar que nos principais países da Europa. Ou seja, para que sua vendagem seja economicamente viável e sólida, TODO o mercado editorial tem que crescer. Se aqui um livro de literatura é best-seller com 5 mil exemplares, nada mais “justo” que um livro de HQs venda seus 600 ou 700 exemplares no mesmo período. Se e quando um best-seller for 30 mil exemplares, livros de HQs venderão seus 4 ou 5 mil em média. Acredito que não dá para almejar isso quando, em todo o país, existem menos livrarias do que em Buenos Aires! Posso estar errado, eu sei. Mas prefiro acompanhar esse debate de uma distância segura. A cena alternativa é, em essência, um universo paralelo. Portanto, meu foco e meu objetivo são crescer nesse universo marginal. Desse assunto de “mercado editorial”, com toda sua pompa e arrogância, prefiro manter distância...
HQMIX - Mesmo com essa nova tendência para os quadrinhos no Brasil, o movimento independente continua forte. Alguns autores, mesmo publicando por editoras, continuam lançando material por conta própria. Você acha que esse formato será o caminho para a consolidação do mercado?

M - Questão de ponto de vista. Se um autor quer entrar no tal mercado editorial, precisa arregaçar as mangas e os dentes para poder sonhar em vender seu “produto”. É um esforço insano e insalubre, mas pode ser muito bem recompensado. É historicamente sabido que a auto-produção, natural da cena alternativa, já alavancou muita carreira para esse universo “overground”. Daí que é natural que um autor, escritor ou quadrinista procure esse meio para publicar seu trabalho. Acho válido. Mas deve ficar claro sua diferença entre “ser” independente e “estar” independente.
Para mim, ser independente está além de um expirável movimento. É sua essência. No mundo marginal, desenvolvemos nossos próprios canais de publicação, distribuição e venda que, por sua natureza, são mais rápidos e virais. Qualquer autor, seja ele independente ou não, tem a necessidade e urgência em publicar seu trabalho. Uma vez que o mercado editorial está falido ou desorientado, o meio alternativo passa a ser o caminho mais rápido...
HQMIX - As técnicas de produção evoluem e as ferramentas à disposição dos desenhistas também. Como é o seu método de trabalho atual? Essas novas tecnologias fazem parte dele?

M - Cachorro velho não aprende truque novo (rs)... Ainda uso canetas e papel. Mas é claro que as novas tecnologias são ferramentas muito melhores para nosso trabalho. São ferramentas! Dar as costas para elas é fazer arroz em fogão à lenha. Hoje eu não levo mais três ou quatro horas para letreirar balões. Nunca mais tive de brigar com editoras para ter meus originais de volta! Minha frustração é que, pessoalmente, não consegui desenhar com tablets, mouse... Acho ducaralho esse recurso. Mas não me adaptei. Hoje, faço arroz no microondas. Mas carne, batata e feijão, ainda os cozinho no carvão (rs).

•Aparte do perguntador: só pelo desenho que ilustra esta entrevista vocês podem ver que a "comida" que e o Marcatti cozinha no carvão permanece com um excelente sabor.

HQMIX - Atualmente você é um colaborador da edição nacional da revista MAD, que reina sozinha no segmento do humor gráfico. Como é essa colaboração e você diria que se sente "em casa" na MAD?

M- Ao longo dos anos, fui fazendo histórias cada vez maiores e com mais páginas. Na MAD, tenho feito HQs de quatro páginas. Eu colaborei pela primeira vez com a MAD em 2008 e foi exatamente por esse motivo de “espaço” que acabei parando. Mas no início desse ano (2012), procurei o Raphael Fernandez (editor) para voltar a colaborar na revista. O espaço de 4 páginas continua o mesmo. O que mudou foi minha disposição em encarar o desafio. Estou adorando a completa liberdade que tenho para criar minhas histórias e tentar encaixá-las em um espaço menor do que acabei me acostumando... Conclusão: minha resposta é SIM. Me sinto “em casa” pois trabalho com total independência e liberdade.
HQMIX - O que os leitores em geral e os fãs podem esperar para breve do Marcatti?

M - Tenho um livro pronto para ser lançado. É “A risada de Arnaldo”, adaptação para HQ de um conto do meu filho André Pijamar. Estou fazendo a adaptação de “Casa de Pensão” de Aluísio Azevedo e um novo livro do Frauzio. Já viu... Na hora que minha máquina chegar, vai espirrar papel para todo lado!